O declínio do JCP: sinais de um fim anunciado no sistema tributário brasileiro
No último dia 4 de dezembro, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa nº 2.296, promovendo alterações na Instrução Normativa nº 1.700/2017. A medida atualiza os critérios aplicáveis à utilização da conta de lucros ou prejuízos acumulados na composição da base de cálculo dos juros sobre o capital próprio (JCP), para fins de apuração de tributos federais. Conforme nota veiculada em seus canais de comunicação, o objetivo da IN seria evitar o uso de resultados transitórios, que poderiam reduzir indevidamente as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Não por acaso, a nova norma foi editada na sequência do julgamento do Tema 1.319 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo acórdão foi publicado há poucos dias, em 25 de novembro de 2025. No precedente, o Tribunal reconheceu a possibilidade de dedução de JCP da base do IRPJ e CSLL com base em lucros apurados em exercícios anteriores ao da decisão da assembleia que autoriza o seu pagamento.
A dedutibilidade dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) tem sido alvo constante de debates no ambiente tributário brasileiro, especialmente diante de iniciativas legislativas que buscam restringir ou mesmo extinguir o instituto. Criado pela Lei n° 9.249/1995 como um mecanismo de incentivo à capitalização das empresas e ao reforço de sua estrutura financeira, o JCP permite a dedução do valor pago aos sócios na apuração do IRPJ e da CSLL, funcionando como alternativa eficiente à distribuição de dividendos, ao mesmo tempo em que reduz o custo do capital próprio.
Nos últimos anos, diversos projetos de lei foram apresentados com o objetivo de limitar essa dedutibilidade. O PL 2.337/2021, apresentado pelo governo à época como parte da proposta de reforma do Imposto de Renda, previu a completa vedação da dedução dos Juros sobre Capital Próprio na apuração do IRPJ e da CSLL, suprimindo integralmente os benefícios decorrentes desse instituto. Na mesma linha, o PL 4.258/2023 buscou restringir sua aplicação especificamente na base de cálculo da CSLL, o que reduziria diretamente o incentivo para sua utilização. Apesar de ampliarem o debate, ambos os projetos não avançaram no Congresso, mantendo, até então, a estrutura legal original.
Contudo, ainda que as propostas legislativas não tenham prosperado, a Lei nº 14.789/2023 trouxe alterações relevantes no sentido de restringir o uso do JCP. A lei introduziu limites adicionais e ajustes no cálculo da base para remuneração do capital próprio, reduzindo a atratividade do instituto, sobretudo em empresas com menor volume de lucros ou que dependem de estratégias de capitalização para financiar sua operação. Por sua vez, a Instrução Normativa RFB nº 2.201/2024 promoveu restrições significativas nas regras de dedutibilidade dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP), introduzindo critérios mais restritivos para a apuração de sua base de cálculo. A referida IN foi alvo de diversas críticas por ter ultrapassado o poder regulamentar, criando restrições que somente poderiam ocorrer por meio de lei. O ambiente regulatório, portanto, evoluiu no sentido de reduzir gradualmente o JCP, ainda que sem eliminá-lo de forma explícita.
Além das discussões legislativas, o regime dos Juros sobre Capital Próprio também foi marcado por intensa controvérsia administrativa e judicial ao longo de mais de duas décadas. No âmbito do CARF, diversos acórdãos divergiam quanto aos limites da dedução, à interpretação do patrimônio líquido ajustado e aos efeitos de reorganizações societárias no cálculo do JCP. As disputas alcançaram o Superior Tribunal de Justiça, que foi chamado a pacificar questões técnicas relevantes sobre a natureza jurídica do instituto e os parâmetros de dedutibilidade.
Diante desse contexto, onde leis e decisões das Cortes Superiores vêm sendo tensionadas por normas infralegais, assim como projetos de lei sucessivos propondo limitações tributárias cada vez mais amplas, parece claro que o cenário pode estar se encaminhando para o fim da dedução do JCP da base dos tributos federais. Esse possível desmantelamento progressivo do instituto tende a produzir consequências econômicas significativas: reduz a competitividade das empresas brasileiras, aumenta o custo do capital e gera um ambiente menos favorável para novos investimentos. Em vez de se promover o incentivo às empresas, motor da economia, elimina-se um instrumento que, historicamente, incentivava o fortalecimento financeiro e a expansão das atividades produtivas.
Fonte: Rota da Jurisprudência – APET
