Comentário Editorial

Batalha sem fim: contribuintes resistem à escalada fiscal e contestam medidas do executivo

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A queda da Medida Provisória nº 1.303/2025 na última quarta-feira (08/10), editada pelo governo federal após a tentativa frustrada de elevar a alíquota do IOF por decreto, expôs a ampla insatisfação com o aumento da carga tributária nos últimos anos no Brasil. Com a MP, o Executivo buscou compensar perdas arrecadatórias propondo a elevação da tributação sobre aplicações financeiras, o que provocou forte reação contrária de diferentes setores econômicos.

A política fiscal atual tem sido alvo de críticas por tentar corrigir o desequilíbrio das contas públicas exclusivamente por meio do aumento da arrecadação, sem promover cortes significativos nas despesas. Diante do significativo avanço da carga tributária nos últimos anos, torna-se essencial mapear, de forma detalhada, todos os tributos que foram instituídos ou tiveram suas alíquotas elevadas no país, assim como a reação dos contribuintes na tentativa de frear os arroubos arrecadatórios do governo. Como veremos, essa escalada teve início já no primeiro dia de 2023.

Uma das primeiras medidas do governo foi baixar o Decreto n° 11.374, revogando o Decreto n° 11.322/2022, que determinava a redução pela metade das alíquotas de PIS e Cofins incidentes sobre receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo. A medida foi questionada judicialmente, mas foi validada pelo STF no Tema 1.337. Ainda no mês de janeiro daquele ano, entrou em vigor a Medida Provisória n° 1.159/2023, que excluía o ICMS da incidência e da base de cálculo dos créditos do PIS/Pasep e da Cofins, impossibilitando, com isso, que o ICMS incidente sobre a aquisição de insumos gerasse crédito de PIS/Cofins para o contribuinte. A MP foi convertida na Lei nº 14.592/2023. No entanto, diante do elevado número de ações judiciais contestando o dispositivo, STJ reconheceu a repercussão da controvérsia e afetou a matéria ao rito dos recursos repetitivos, sob o Tema 1.364, ainda pendente de julgamento.

O restabelecimento do voto de qualidade no Carf marcou um dos retrocessos mais significativos para os contribuintes. Extinto pela Lei nº 13.988/2020, o mecanismo foi reinstituído pela Medida Provisória nº 1.160/2023 e passou a vigorar definitivamente com a edição da Lei nº 14.689/2023. O dispositivo legal foi questionado no STF através da ADI n° 7.548/DF, mas ainda não houve julgamento, e o voto de qualidade segue favorecendo o fisco em temas de alta complexidade.

Em março de 2023, foi editada a Medida Provisória nº 1.163, que restabeleceu a cobrança de determinados tributos sobre combustíveis, os quais estavam isentos desde o ano anterior. A norma também instituiu uma alíquota de 9,2% sobre a exportação de óleos brutos de petróleo e minerais betuminosos. Essa última previsão foi levada ao Judiciário por empresas do setor, resultando em decisão favorável aos contribuintes no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Apelação Cível nº 5014108-71.2023.4.02.5101).

O decreto n° 11.764 de 31 de outubro de 2023, aumentou as alíquotas de IPI incidente sobre armas e munições, revogando decreto do ano anterior que concedia redução. Já a GECEX, órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio soltou a Resolução GECEX nº 532, de 20 de novembro de 2023, determinando o fim gradual da isenção de imposto de importação sobre veículos elétricos, vigente desde 2015. No final daquele mesmo ano, passou a vigorar a Lei nº 14.790, que regulamentou e instituiu a tributação das apostas de quota fixa, conhecidas como BETs, com incidência de IRPF à alíquota de 15%.

A Medida Provisória nº 1.185/2023, conhecida como “MP das Subvenções”, foi convertida na Lei nº 14.789, de 29 de dezembro de 2023, e alterou as regras de tributação dos benefícios fiscais concedidos pelos estados, limitando o abatimento desses benefícios da base de cálculo de tributos federais. Também se impôs limitações a dedução de Juros sobre Capital Próprio na apuração do lucro real. A referida lei é alvo de uma série de questionamentos, sendo inclusive objeto da ADI 7.604/DF no STF. A promulgação da Lei n° 14.754/2023, reproduz o que havia sido proposto pelo executivo nas Medidas Provisórias n° 1.171/2023 e 1.184/2023, criando a tributação sobre os fundos de investimentos exclusivos no sistema “come-cotas”. Além disso, a lei criou a tributação sobre a renda auferida no exterior por meio de offshores. Recentemente, em agosto de 2025, a Justiça Federal de Ribeirão Preto afastou a tributação sobre a valorização de ações em Offshore por violação ao princípio da realização da renda (processo nº 5007446-97.2025.4.03.6102).

Tema bastante controverso é a desoneração da folha de pagamento. Criada em 2011 como forma de estímulo à geração de empregos, permitia que empresas substituíssem a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre salários por alíquotas entre 1,5% e 4% sobre a receita bruta. A medida vinha sendo sempre prorrogada pelo Congresso Nacional, até que foi vetada integralmente pelo executivo em 2023, tendo o veto sido derrubado pela casa legislativa, restabelecendo a desoneração por meio da Lei 14.784/23. Em resposta, foi editada a Medida Provisória n° 1.202/2023 buscando revogar os efeitos da prorrogação, mas a medida caducou. Não satisfeito, o executivo ingressou no STF com a ADI 7.633/DF pedindo a inconstitucionalidade da prorrogação. O julgamento está previsto para acontecer no dia 17 de outubro de 2025.

A mesma Medida Provisória n° 1.202/2023 tentou revogar os benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), criado pela Lei n° 14.148/2021 durante a pandemia de Covid-19 para tentar auxiliar o setor de eventos, um dos mais atingidos durante o período. A reação foi imediata, com propositura das ADIs n° 7.587/DF e 7.625/DF no STF, ainda pendentes de julgamento. A medida sofreu alguns ajustes antes de ser convertida na Lei n° 14.859/2024, que estabeleceu um teto de renúncia fiscal que, se alcançado, encerraria o benefício antes do prazo originalmente estabelecido, que era 2027. Diante da situação, algumas decisões favoráveis aos contribuintes já puderam ser observadas, determinando que seja mantido o prazo original para o fim do benefício em 2027 (TRF1, MS n° 1027337-87.2025.4.01.3400).

E o ano de 2024 seguiu com aumento da tributação. Uma medida que causou bastante comoção foi a criação da chamada “taxa das blusinhas”, instituída pela Lei n° 14.902/2024, que estabeleceu imposto sobre as compras internacionais de até US$50,00 (cinquenta dólares) para as pessoas físicas. Como reação, minaram Projetos de Lei na Câmara dos Deputados visando barrar a cobrança como, por exemplo, o PL 1.440/2025 e o PL 3.261/2025.

Em 17 de outubro de 2024 o GECEX determinou o aumento de alíquota do imposto de importação de produtos de ferro e aço para 25%. Na sequência, a Resolução GECEX Nº 666, de 12 de novembro de 2024, elevou alíquota do imposto de importação de painéis solares de 9,6% para 25%. Contra a medida, está em discussão no Senado o Projeto de Lei n° 4.607/2024 que prevê a manutenção da alíquota sobre painéis solares em 9,6%.

A Medida Provisória n° 1.262/2024, publicada em 3 de outubro de 2024, com base nas regras GloBE da OCDE, criava um adicional de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de até 15% para as multinacionais sediadas no Brasil. Posteriormente, a medida foi consolidada na Lei n° 15.079/2024.

Mais recentemente, o Decreto nº 12.499, de 11 de junho de 2025, editado pelo Poder Executivo, tentou elevar a alíquota do IOF com o objetivo de aumentar a arrecadação federal. No entanto, o Congresso Nacional sustou seus efeitos, alegando desvio de finalidade e usurpação da competência do Legislativo. Em meio ao impasse, o STF interveio, restabelecendo parcialmente a validade do decreto. Diante da repercussão negativa, o governo revogou parcialmente a medida e buscou alternativas para compensar a perda de receita esperada. Com isso, editou a Medida Provisória nº 1.303/2025, que propunha mudanças na tributação de aplicações financeiras, mas que caducou no último dia 8 de outubro, após votação pela retirada da pauta no Congresso Nacional.

Diante de um cenário conflituoso e marcado por alta complexidade, a segurança jurídica encontra-se seriamente abalada, refletida no grande volume de ações judiciais que buscam conter a expansão do poder tributário. Vivencia-se hoje um período de instabilidade incomum, cujos efeitos podem agravar ainda mais a já delicada recuperação econômica do país. O Direito, concebido como instrumento de equilíbrio e solução de conflitos, perde sua função essencial quando excessivamente acionado para corrigir distorções do próprio sistema. Nesse contexto, o que se revela é um modelo jurídico-institucional fragilizado, cujos mecanismos de controle, esgotados ou tensionados ao limite, parecem operar mais na lógica da contenção do colapso do que na construção de consensos, em uma batalha que parece não ter fim.

Fonte: Rota da Jurisprudência – APET

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