STF retoma julgamento do imposto sobre grandes fortunas: omissão legislativa ou usurpação de competência ?
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na última quinta-feira, 23 de outubro, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 55, que discute a falta de regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal de 1988. A ação foi ajuizada pelo partido PSOL em 2019, cobrando do Congresso Nacional a edição da lei complementar necessária para a efetivação do tributo.
Na petição inicial, o PSOL argumenta que a ausência prolongada da norma configura omissão inconstitucional do Poder Legislativo, comprometendo a efetividade dos princípios constitucionais da justiça fiscal e da redução das desigualdades sociais. Segundo o partido, a instituição do IGF é um instrumento legítimo para promover maior equilíbrio na carga tributária, que hoje recai de forma desproporcional sobre o consumo.
A retomada do julgamento reacende o debate sobre a questão e o papel do STF no controle de omissões legislativas em temas sensíveis. Sobre o IGF, o ponto central a ser observado é se o texto constitucional, em seu art. 153, aponta para uma opção ou um dever de legislar sobre a matéria. Embora a doutrina majoritária sustente que a competência tributária possui natureza facultativa, o Supremo Tribunal Federal já chegou a sinalizar para uma inflexão nesse entendimento. No julgamento da ADI 2238, que discutia a constitucionalidade de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, ao referendar o art. 11 do referido diploma legal, a Corte indicou uma possível leitura impositiva na instituição de impostos pelos entes federados, ainda que essa imposição tenha sido reconhecida apenas como requisito para recebimento de transferências voluntárias de recursos da União, nos termos da própria LRF.
O julgamento da ADO n° 55 teve início em 2021, quando o então ministro Marco Aurélio Mello votou favoravelmente ao reconhecimento da omissão legislativa. Apesar de reconhecer que o exercício das competências tributárias previstas na Lei Maior sinaliza opção político-administrativa, levando em conta a autonomia de cada ente federado, terminou adotando argumento consequencialista, no sentido de que a concretização de direitos depende do aumento de arrecadação. No entanto, em seu voto, o ministro não estabeleceu um prazo para que o Congresso sanasse a alegada lacuna. Ainda naquele ano, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo, mas somente agora o processo retornou à pauta do STF.
De fato, não é possível afirmar que o Congresso Nacional tenha sido omisso ao tratar do tema do imposto sobre grandes fortunas. Para além da tramitação de uma infinidade de projetos de lei que versam sobre a matéria nas duas casas legislativas, como os PLP’s n° 202/1989, n° 183/2019, n° 74/2022, n° 69/2023, mais recentemente, em outubro de 2024, a Câmara dos Deputados rejeitou a emenda apresentada pelo deputado Ivan Valente do PSOL-SP, mesma legenda proponente da ADO n° 55, para instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas no texto do PLP n°108/2023, que regulamenta a Reforma Tributária. Isto é, o tema foi apreciado pelo Congresso Nacional, mas foi reiteradamente rejeitado, pelo menos nos moldes como foi apresentado, o que não significa dizer que houve omissão em legislar sobre o tema.
A tentativa de transferir ao Supremo Tribunal Federal a responsabilidade por viabilizar o Imposto sobre Grandes Fortunas, sob a justificativa de omissão do Congresso Nacional, levanta sérias preocupações institucionais. A matéria já foi objeto de diversos projetos de lei e debates no âmbito legislativo, fórum adequado e legítimo onde estão os representantes eleitos pelo povo. O fato de o Parlamento não ter aprovado nenhuma proposta não caracteriza inércia, mas sim exercício regular de sua competência constitucional, inclusive a de rejeitar determinadas iniciativas. Pretender que o STF supra essa alegada omissão significa desrespeitar a separação e a harmonia entre os Poderes, ao permitir que o Judiciário invada a esfera legislativa para decidir sobre tema já deliberado e rejeitado no parlamento.
Fonte: Rota da Jurisprudência – APET
